terça-feira, 9 de setembro de 2008

Pó é a jornada de Ana, uma mulher que organiza uma trilha de atividades do ritual cotidiano, mas deixa escapar pelas frestas, restos de desejos, frustrações veladas, migalhas silenciosas de fantasias. Ela percorre um itinerário, um fio esgarçado de dias subseqüentes, num acúmulo de sobrevivência. Cria labirintos formados por pequenos movimentos com os objetos de cena que são fragmentos do mundo e interlocutores da personagem. Delicadas tramas de significados singelos. Leveza, louvor, lirismo e zelo da vida diária.
Quem assina a concepção da dramaturgia e atua é Rosi Martins, que também fez os figurinos e o cenário, foi uma das integrantes do Teatro Camaleão, trabalha com criações teatrais desde 1989 e atualmente se dedica a Cia. Trapaça e faz mestrado em Cultura Visual na UFG. A direção é de Éber Inácio, diretor carioca que veio participar da montagem a convite da Cia. Trapaça. Éber é ator, diretor, dramaturgo e participa do elenco da Ong “Doutores da Alegria do Rio de Janeiro”. A trilha sonora inédita da peça, composta para flauta, clarineta, violoncelo, pedras e fava de flamboyant, é de Estércio Marquez Cunha, maestro e compositor contemporâneo. Iluminação e sonoplastia de Israel Neto.

Sobre uma dramaturgia escavada na memória

Os inícios de Pó foi um álbum de pedaços. Na encruzilhada da criadora e criatura, tomou forma a odisséia de uma mulher comum. Pensei em minhas bisavós, avós. Fundi o autobiográfico ao cotidiano. Delineou a escritura corporal e cultural de Ana, uma mulher do cerrado, que pode ser de qualquer lugar ou tempo. Apareceu um rascunho de condição humana, acima da questão feminina. Nos alicerces, surgiu o jardim secreto da personagem, um pequeno bosque de objetos. O texto entrou por último, formando manchas, borrões, ilhas. Pó é uma sinfonia composta de cacos, um quebra-cabeça com peças que pode ser abordado por vários lados.

A peça é resultado de uma dramaturgia atorial (de ator). Partiu de uma vontade de dar resposta a um tipo de roteiro que atendesse a necessidade dessa montagem. Essa é uma possibilidade de concepção cênica com ritmos, tempos, imagens, gestos que aproxima a relação do ator com a poética teatral.
O teatro contemporâneo tem buscado a dramaturgia autoreferencial - quando o ator emprega a própria vida e lembranças como material e a pessoa como personagem. Essa é uma maneira de pensar a escrita mais próxima da encenação. Em Pó, a personagem e a artista atuante, residem juntas, convivem num mesmo território de realidade e ficção.

A montagem foi apoiada pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Goiânia.
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